três e oito

A Casa de Tom Jobim


não me diga o que fazer
não te digo o que fazer

vivi quarenta e um anos sem você
e esperava viver os outros quarenta um com você
mas não me diga o que fazer

tenho medos bobos e coragens estúpidas
tenho incríveis distâncias a serem cumpridas
sonhos a serem realizados
e desrealizações a serem completadas

tenho de poesia escrita mais de mil toneladas
repleta de amores bobos, e mais ainda de traças,

esfregue o pé na minha cara,
me arrume um emprego novo
me distancie daquilo que nunca acreditei
mas não me diga o que fazer

não somatize o que já me incomodou
que foi múltiplo daquilo que já deveria ter ido embora
mas teimou em permanecer
como lembrança ruim em face de resultado

são três e oito da tarde, e eu me empanturrei de doce
- pra fazer o cérebro esquecer das coisas ruins da vida

o amor manda flores e eu fico com os horrores
de uma barriga cheia, às três e oito da tarde
- sem poder dar um passo e lembrar que exagerei

exagerei nos doces, nos amores e nos remorsos
poderia ter sido e ter tido
mas preferi ter sofrido
e morrido

mil vezes morrido
e, por sorte,  renascido

inventei melhores sorrisos
e disfarcei as lágrimas
em forma de gizes coloridos

desenhei uma casa enorme
com quintal grande e muita bagunça de criança
tinha espaço pra lavar o carro e a moto
e sobrava tempo pra olhar pra rua e ver o tempo passar

o tempo escorria pelos dedos
assim como a poesia, fluida,
me lambuzava como o prazer de uma mulher linda

hoje o sol brilha mais forte
e meus olhos têm mais vida
mas a fortuna às vezes escolhe o lado errado para abraçar
e o sorriso da estupidez, vez por outra, teima em me revisitar